É com muito gosto que inauguramos aqui a cobertura da edição 2013 do In-Edit Brasil, Festival Internacional do Documentário Musical, patrocinado pela Deezer. O Festival acontece entre os dias 3 e 12 de maio, diariamente, em tradicionais salas de cinema de São Paulo, como o MIS-SP, CINESEC, a Cinemateca Brasileira, o Cine Olido e o espaço da Matilha Cultural. O Documentário Musical é uma forma narrativa que ganha cada vez mais notoriedade em salas de exibição, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, e o In-Edit é o maior festival do gênero, selecionando e reunindo os filmes mais significativos lançados a cada ano. Os filmes, construídos através de diferentes metodologias e propostas – uns mais didáticos, outros mais sensoriais – têm um denominador comum: unir o universo musical a uma narrativa cinematográfica de não-ficção.
Decidimos, no primeiro dia do festival, assistir aos três filmes exibidos no CINESEC: Beats, Rhyme and Life: The Travels of a Tribe Called Quest (Michael Rapaport, 2011), Searching for Sugar Man (Malik Bendjelloul, 2012) e Reincarnated (Andy Capper, 2013). O CINESESC contou com uma ótima participação do público, que esteve bastante presente em todas as sessões e prenunciou um ótimo festival pela frente.
Beats, Rhyme and Life: The Travels of a Tribe Called Quest trata da história, como sugerido pelo título do documentário, do grupo americano A Tribe Called Quest. O grupo é um dos maiores representantes do hip-hop alternativo americano e integrante, juntamente de outros nomes, como De La Soul, do Native Tongues, um coletivo de grupos de hip-hop que se consagrou a partir do final dos anos 1980.
O documentário resgata a trajetória do Quest desde o início do grupo, passando por seu término em 1998 e pela reunião em 2006. O filme nos mostra como os integrantes (Q-Tip, Phife Dawg, Ali Shaheed Muhammad e Jarobi White) se conheceram e formaram o grupo, ainda no colegial, gravaram seus primeiros discos, obtiveram o merecido reconhecimento e entraram em declínio, após um período de esgotamento criativo e desentendimentos internos.
O fio argumentativo do filme é calcado em entrevistas sucessivas em que os membros do Quest tornam-se protagonistas. Muitas outras personalidades do universo do hip-hop da época explicam quão significativa e criativa era a música desenvolvida pelo grupo. Músicos como Mike-D e Ad-Rock (Beastie Boys), Busta Rhymes, o lendário DJ Red Alert, Maseo e Posdnuos (De La Soul) falam sobre o grupo e sobre o período retratado, uma espécie de época de ouro do hip-hop americano. Inspirados pela atmosfera do jazz e extremamente dedicados a um trabalho de pesquisa de fontes sonoras para a composição dos loops e samplers (o que não era uma tarefa fácil na época, em meio a fitas cassette e estúdios caseiros) o Quest é reconhecido pela experimentação em seus sons e responsável pelo desenvolvimento do hip-hop como se conhece hoje.
O convívio contínuo, entretanto, resulta no desgaste da relação entre os membros da banda, outro tema abordado no documentário. Os desentendimentos constantes entre Q-Tip e Phife Dawg, aliados a certo esgotamento de ideias depois de três álbuns iniciais – considerados fenomenais por público e crítica – levam a banda a se separar em 1998. Há um revival do grupo em 2006, contando ainda com tensões entre Q-Tip e Phife (um desses desentendimentos é registrado on-camera pelo diretor), porém realizam alguns outros concertos a partir desse momento.
Para além das entrevistas e depoimentos, entretanto, o filme é recheado sonoramente com os sons de Quest, De La Soul, Jungle Brothers, entre outros. Em vários momentos da sessão de ontem os espectadores acompanhavam com o corpo as batidas do Quest e companheiros, reagindo às rimas vigorosas e às vibrações graves. Dessa forma, vale realmente a pena assistir ao documentário no cinema, para ver e ouvir a história e os sons do Quest da melhor maneira possível. O documentário Beats, Ryhmes and Life: A Travel of a Tribe Called Quest será exibido novamente no In-Edit domingo (05/05) no Cine Olido às 17h. Se você não conhece o som do A Tribe Called Quest, deixamos aqui o álbum Low End Theory (1992), considerado a obra-prima do grupo, para que curta! Se já conhece o som, fica o convite para ouvir novamente aqui na Deezer.
É redundante tecer elogios a Searching for Sugar Man (2012), já premiado com o Oscar de Melhor Documentário em 2013 e vencedor de prêmios em tantos outros festivais importantes, como Sundance, Los Angeles e o Festival Internacional de Documentários de Amsterdã. O público compareceu em peso para assistir à sessão das 21h no CINESESC e lotou a sala para assistir à história impressionante de Sixto Rodriguez ou, simplesmente, Rodriguez.
Rodríguez, ainda no final da década de 1960 e no começo da década de 1970 gravou dois discos em Detroit, nos Estados Unidos. As composições do músico e o arranjo final das canções eram considerados incríveis por todos que participaram das gravações – e por eles apenas. Ninguém sabe exatamente o que deu errado para que Rodríguez fosse deixado de lado nos EUA. Falta de divulgação? Um momento da indústria musical americana que não contemplava suas canções? Seus discos foram um fracasso de vendas absoluto nos Estados Unidos, fazendo com que o cantor fosse, por muito tempo, um pleno desconhecido.
O que ninguém também sabia – nem Rodríguez, nem nenhum americano – é que o cantor é tido na África do Sul como uma lenda, maior que os Beatles, Elvis ou os Rolling Stones. Suas canções, muitas com um viés de protesto, honestas ao mesmo tempo em que rebuscadas, chegaram à África do Sul como uma inspiração para os jovens politizados que combatiam o Apartheid na época. Devido à forte censura, havia pouca ou nenhuma troca entre a África do Sul e o resto do mundo: pouca informação entrava, pouca informação saía do país. Não conseguindo obter mais informações sobre a carreira de Rodríguez ou seu paradeiro, mesmo após o momento do Apartheid (estamos falando de alguém que era inexistente na imprensa americana) diversas lendas sobre o cantor permeavam o imaginário dos africâneres: teria colocado fogo em si próprio durante um concerto, morrido de overdose na prisão, e outras tantas brutalidades.
O fato é que… bem, não iremos estragar a surpresa! O documentário narra justamente a busca travada por jornalistas africâneres em busca de mais informações sobre Rodríguez. O filme é construído através de um belo trabalho narrativo: mantém o suspense, levanta hipóteses, segue pistas. Para além disso, muitos momentos do filme são dedicados à simples contemplação das canções de Rodríguez. Longos trechos de suas músicas são tocados na íntegra e podemos, pela primeira vez, entrar em contato com um talentoso músico esquecido pelo resto do mundo. Searching for Sugar Man é um filme imperdível e será exibido novamente no In-Edit Brasil dia 08/05 (quarta-feira) às 21h no CINESESC. Se possível, chegue com antecedência, pois a sessão tende a lotar! Para que você entre no clima, deixamos aqui o link para ouvir na Deezer o álbum de estreia de Rodríguez, Cold Fact, de 1970.
Do rap ao reggae, o documentário da sessão das 23h, Reincarnated, mostra a mudança de perspectiva na vida de Snoop Dogg (ou, agora, Snoop Lion), no processo de gravação de seu novo álbum, com o mesmo título do documentário. Após décadas de Gangsta Rap e de letras que tematizam o universo gangueiro – violência, drogas, prisão – do Rap americano, Dogg decide voltar-se ao Reggae e à cultura Rastafari em seu novo momento criativo.
Tendo o próprio Dogg como protagonista e sua equipe de gravação como personagens constantes no filme, o filme nos conta os motivos que fizeram o músico voltar-se a questões existenciais próprias do universo Rasta. Procurando buscar fontes primárias de informação, Dogg viaja com sua equipe para a Jamaica, berço do Reggae, travando conversas com outros músicos, gurus espirituais e cidadãos jamaicanos que vivem diariamente o complicado quadro social jamaicano. Damian Marley (filho de Bob) e Bunny Wailer (um dos fundadores do The Wailers) são algumas das pessoas com quem Dogg se encontra para a inspiração de seu novo álbum.
Acompanhamos o processo de gravação do disco de Dogg detalhadamente, entendendo a temática de suas novas canções e a transição de arranjos do rap para o reggae. A narrativa construída torna-se divertida na medida em que observamos Dogg e sua equipe “relaxando” da maneira que mais gostam. Extrapolando questões sobre o processo criativo do músico, a narrativa tematiza ainda problemas vividos pelo músico durante sua carreira: a perda de amigos próximos (Nathan Dogg e Tupac Shakur), algumas de suas prisões, sua relação com o universo das gangues da Califórnia. Seu momento novo na música, segundo o próprio Dogg, é o hasteamento de uma bandeira da paz e a busca pelo aprimoramento de si, enquanto ser humano. Reincarnated será exibido novamente dia 05/05 (domingo) às 15h no Cine Olido. Nada mais natural do que deixarmos, aqui, o disco novo de “Snoop Lion”.
A programação de hoje do In-Edit Brasil está recheada de documentários bacanas. Algumas dicas são Jards (Eryk Rocha) às 17h30 no MIS-SP, com sessão apresentada pelo próprio diretor, A Batalha do Passinho (Emilio Domingos) às 20h, no MIS-SP e também apresentado pelo diretor. Quem for fã de Neil Young pode comparecer no CINESESC às 19h para a sessão de Neil Young: Journeys (Jonathan Demme). Se preferir Death Metal, há o interessante Death Metal Angola (Jeremy Xido) às 19h no Matilha Cultural. Aproveitem bastante e até amanhã com a cobertura do segundo dia do In-Edit Brasil.
Texto e cobertura pro Gabriel Tonelo